segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Texto do Colega Tiago Pereira de Souza sobre o Filme 'O Discurso do Rei'

Reflexão feita a partir do filme "O Discurso do Rei"

título original: (The King's Speech)

lançamento: 2010 (Inglaterra)

direção:Tom Hooper

atores: Colin Firth, Helena Bonham Carter, Geoffrey Rush, Michael Gambon.

duração: 118 min

gênero: Drama



Acabei de ver o Filme "O Discurso do Rei", e seria desrespeito comigo mesmo não parar ao menos alguns minutos para descrever minhas percepções e emoções ao ver o filme.

Inicialmente, gostaria de destacar o quanto a hegemonia biomédica persiste desde aquela época aos dias de hoje. Terapias que não seguem protocolos, manuais, enfim "receitas de bolo", lutam para provar que são tão eficazes (ou mais) que as tradicionais.

Nesta breve reflexão, resgatada por minhas lentes, gostaria de destacar o papel não só de "promoção" da nossa profissão, mas também o profundo debate teórico que nos remete tal película.

Não é de hoje que as discussões quanto a prática fonoaudiológica estão presentes em nossos congressos, seminários e encontros, mas cabe a ressalva, em nenhum momento tais discussões parecem contribuir para que a FONOAUDIOLOGIA consolide-se enquanto profissão reconhecida pela nossa sociedade. Parece-me que cada vez que nossos colegas erguem suas vozes para defender a teoria "A" ou "B", na verdade estão travando uma incessante luta de egos e vaidades.

Tenho total confiança em minhas percepções, o que me dá uma tranquilidade enorme ao escrever este texto. A partir do filme poderia descrever os métodos terapêuticos, as abordagens práticas e os conceitos teóricos, mas particularmente acredito que muitos fonoaudiólogos do país estão fazendo o mesmo, não problematizando uma realidade, mas "puxando a brasa para o seu assado", já que escutei dois profissionais de linhas teóricas totalmente diferentes dizerem que o Lionel Logue (Geoffrey Rush) se baseou na teoria "A" e na teoria "B", ao mesmo tempo e separadamente.

Também não me importo muito com as críticas que possivelmente receberei, se algum dia me importou estes já são passado. Mas jamais desperdiçaria a oportunidade de gerar uma discussão, dentro de uma profissão mergulhada num marasmo sem fim, que não problematiza as relações de trabalho, que não discute eticamente suas teorias, que se mostra cada vez mais "autofágica".

Recebi inúmeros emails de familiares e amigos que viram o filme e se lembraram de mim, ora, precisam ver um filme no cinema pra lembrar que sou FONOAUDIÓLOGO? Precisam ver a FONOAUDIOLOGIA na novela das 8 (ou 9 sei lá) para lembrar que existimos? E depois? E depois que este filme ganhar o OSCAR? Seremos mais respeitados? Continuaremos discutindo por e-mail nossas teorias? Seremos contratados no serviço público? Nossos consultórios receberam mais "gagos"?

Na verdade, como disse anteriormente, o filme permite aos que desconhecem o imenso campo de trabalho da FONOAUDIOLOGIA, um contato com 0,1% de possibilidades, talvez porque teimamos em construir nossa profissão de fora para dentro e não de dentro para fora, daí quanto uma grande produtora se dispõe a publicizar nosso papel achamos isso um máximo (também acho), mas é pouco, e não tenho medo de dizer que é POUCO! E isso não só um papel de entidades (CFFª, CREFONOs ou SINDFONOS), isso é um papel para cada um de nós.

Sinto que cada dia parece que nós estamos trabalhando cada vez mais para nós mesmos, que cada dia estamos potencializando o desconhecimento social. Cada vez as pesquisas são para enriquecer currículos ao invés de buscar novos métodos, eu, ao contrário de alguns tenho vergonha de dizer que aprendi técnicas em sala de aula que eram usadas em 1936, não posso acreditar que em quase 100 anos não aprimoraram métodos terapêuticos (sem discutir teorias, não vim com esse propósito).

Outro aspecto que é importante destacar está no fato de que, mesmo existindo abordagens diferentes nos casos de gagueira, Lionel Logue (Geoffrey Rush), não demonstrou-se um "terapeuta fechado" em seus conceitos teóricos, uma vez que, no primeiro atendimento visivelmente busca uma linha mais subjetiva que, não sendo bem recebida por George (Colin Firth), lhe faz mostrar um aparato tecnológico que garante um momento de boa fluência afim de ganhar a confiança do mesmo. Conforme os dias vão passando, o terapeuta busca entender o funcionamento desta gagueira, com quem ele mais gagueja? Onde? Quando? Até chegar no porque. É evidente que entender esse funcionamento não é garantia de "cura", por isso os exercícios, o diálogo, a busca pelo auto-conhecimento e controle, métodos de driblar a disfluência, enfim, tudo está no filme.

Para finalizar gostaria de reiterar, que mesmo estando muito envaidecido com o filme "O Discurso do Rei", isso não me basta. Quero estar vivo para poder ver a FONOAUDIOLOGIA no patamar profissional que merece, sendo reconhecida pela sociedade, estando em todos os níveis de atenção à saúde, para isso dedico minha vida sobre meu juramento, mas sozinho (ou com poucos) não é possível, esperar nossa profissão vingar sentado em suas salas é o mesmo que esperar uma semente virar árvore sem regá-la.



Forte Abraço,
Tiago Pereira de Souza
Fonoaudiólogo CREFONO7/9295 Residência
Multiprofissional Integrada em Atenção Básica / Saúde da Família - UFSM

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